quarta-feira, 7 de maio de 2014

As crianças e a Morte

Eduardo está triste há já algum tempo. Morreu a sua gatinha Mia que tinha só 3 anos. Eduardo tem 9 anos e sentiu muito esta perda. Desenha a Mia numa folha de papel A4, ela pequenina, no centro da folha. Ele gostava muito daquela gata de pêlo amarelo que era a sua companheira e, à hora de dormir, ela enroscava-se aos pés da cama até ele adormecer. Sentia muito conforto com essa presença todas as noites. Agora, a sua cama é um grande vazio.
Lidar com a morte, não é um tema fácil para ninguém, mas para as crianças que se vêm confrontadas com algumas perdas de familiares ou animais de estimação, torna-se embaraçoso explicar e confortar
Para afastar a tristeza, é bom “comer doces”, diz cabisbaixo o Eduardo. Comer doces está na sua “caixa de ferramentas do coração” — foi assim que foi baptizada a “caixa de ferramentas” que ele e os colegas de turma da sua escola foram desafiados a conceber.
Nesta caixa, não há martelos nem berbequins. Há uma lista de coisas que cada um desenhou, coisas que usariam para lidar com a morte — de um gato de estimação, de uma tartaruga, de um primo afastado ou de uma avó.
Que ferramentas foram postas na mala pelos alunos do ensino básico de uma das escolas?
- “Lenços de papel, para se chorar”, diz uma menina. “Flores e velas”, diz outra. “Rezar à noite”, “ir ao funeral”, “ter sempre uma fotografia para lembrar a pessoa que desapareceu”, “fazer uma coisa que distraia e faça pensar em coisas boas”, como jogar PlayStation, futebol ou comer doces. Comer doces foi referido por vários alunos, para além do Eduardo.
Noutras escolas, os conselhos para adquirir novas “ferramentas” são muitos, como por exemplo: “Comprar um animal de estimação e dar-lhe o nome da pessoa que morreu”
 “Fazer o prato preferido da pessoa que morreu, pôr um lugar vazio na mesa e depois comer.”
Um rapaz desenhou uma embalagem de Betadine, chamou-lhe “Métádine” e explicou que esta pomada é o que se põe nas feridas para curar. Às vezes arde, mas cura e é importante ter sempre uma à mão em todas as “caixas de ferramenta”
-“ Eu tenho muitas mortes para “curar”! Foram dois patos... (até chorei no Natal); mais uma tartaruga, dois caracóis, o avô Francisco e o coelho do meu tio”- Disse o Tomás, de 8 anos
E nesta conversa animada, em que cada um põe o dedo no ar para falar, argumentar e contra-argumentar, debate-se, durante mais de uma hora, com a professora, esta coisa da perda, do que significa estar vivo e já não estar.
A morte, segundo as crianças, pode ser muita coisa.
O André, que tem 8 anos, dá a sua imagem em relação à morte: “É como um escorrega. Quando acaba o escorrega da vida, começa o escorrega da morte.”
A imagem do escorrega agrada, evidentemente, a todos os colegas. E quando acabas de escorregar? Chegas ao chão e depois? — pergunta um e outro e outro. “É infinito”, responde André. “Como os números.”
Riem-se todos. E assim, este tema tão melindroso, é preparado desde a mais tenra idade com professores que se preocupam com os homens e mulheres de amanhã.

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