Os pastéis de Belém são uma marca de sucesso, como denunciam as filas à
porta da Confeitaria de Belém, em Lisboa, que dá emprego a 150 pessoas. Por dia
são vendidos mais de 20 mil pastéis, cuja receita é um segredo muito bem
guardado... e cobiçado
São 177 anos de doces histórias, que começaram com um monge e acabaram na
família Clarinha. Não há crise que lhes azede o doce. De fornada atrás de
fornada, saem por dia mais de 20 mil pastéis de Belém. Só no ano passado foram
vendidos 7,1 milhões, o que corresponde a muitas toneladas de açúcar, farinha,
ovos, leite e, claro, uma elevada facturação: 8 milhões de euros (valor bruto
de 2013). A todos estes números está associado um condimento - o segredo - que
torna o pastel de Belém ainda mais especial e quase tão místico como a história
do monge que, em 1837, terá vendido a receita.
E não vale a pena tentar fazer igual. A longa história de tantos anos desta
iguaria, diz que ninguém consegue. Não têm faltado tentativas para denunciar o
segredo dos pastéis de Belém, desde episódios de espionagem industrial, receitas
de alguns grandes chefs internacionais apresentadas como a verdadeira, a
investigações de laboratórios gastronómicos de universidades estrangeiras.
- "É uma receita única, mas há muito misticismo à volta do segredo.
Posso garantir que nunca conseguiram raptar quer o segredo, quer as poucas
pessoas que o conhecem", - diz com um sorriso Miguel Clarinha, de 32 anos, um dos mais
novos descendentes da família detentora da "fórmula mágica" há quatro
gerações.
- "Tem sido um negócio familiar e a forma de produção mantém-se exactamente
igual", - explica Miguel, - "Só há seis pessoas que conhecem o
segredo: os três mestres em actividade, dois já reformados, e o gerente da casa.
Confiança, carácter e muitos anos de trabalho nesta casa, são requisitos
fundamentais na hora de escolher o mestre.
O "eleito" assina um contrato de sigilo profissional e passa a
ter regalias sociais acima da média, ou seja, um bom ordenado.
Miguel, que estudou Marketing e Publicidade e trabalha nos pastéis de Belém
desde 2006, recorda um dos episódios mais caricatos de tentativa de roubo do
segredo. Passou-se com o seu pai, Pedro Clarinha:
- "Era um grupo de chineses que se apresentaram como repórteres. Foram
ver o local de fabrico e a certa altura, o meu pai deu com um deles com
seringas a tirar amostras de um pastel. Foram logo corridos. Só podia ser
espionagem industrial."
Esta receita original e tão cobiçada data do início do século XIX. Era confeccionada
pelos monges do Mosteiro dos Jerónimos, que, por uma questão de sobrevivência,
vendiam os doces pastéis à população do bairro de Belém.
Em 1837, com as revoluções liberais, os monges foram expulsos dos seus
conventos e a receita acabou por ser vendida a um comerciante, Domingos Rafael
Alves, que possuía uma antiga refinaria de açúcar, onde é hoje a Antiga
Confeitaria de Belém.
Nessa época, a iguaria era apenas conhecida pelas pessoas da zona. - "Só
quando o eléctrico e os barcos a vapor começaram a ligar a capital a Belém, é
que a fama dos pastéis saiu do bairro", - conta Miguel.
A natureza turística da zona, com o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de
Belém a atraírem milhares de pessoas, foi determinante para a
"internacionalização" do pastel de Belém.
- "As pessoas começaram
a criar o hábito de vir até aqui. A marca começou a ganhar projecção, sobretudo
após o 25 de Abril de 1974", salienta Miguel.
O número de trabalhadores
também dá conta dessa evolução: nos anos 70, os pastéis davam emprego a 60
pessoas, no início do século XXI já eram umas 110 e actualmente são 150,
distribuídas entre produção, balcão, mesas e limpeza.
Francisco Muchagata, de
61 anos, é um dos mais antigos funcionários. Há 47 anos que, diariamente, vê
passar as centenas de fornadas com os pastéis, que ainda bem quentinhos, são
embalados ou vão para as mesas das inúmeras salas da confeitaria, com
capacidade para 400 lugares sentados.
-"São poucos os que apenas comem um
pastel... O cliente mais guloso que conheci, comeu uns 18 e não saiu daqui mal -
disposto", conta Francisco.
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